Maconha: A Porta de Entrada Para Outras Drogas?

A maconha é vista como a porta de entrada para drogas mais potentes pelos mais conservadores e receosos com o uso da substância. Ainda que este argumento tenha sido criado com a onda da proibição, junto com outros argumentos que já foram comprovados como sendo falaciosos, até hoje ele é utilizado e tido como uma verdade absoluta por muitos. O grande problema é que, assim como a vasta maioria dos argumentos utilizados por quem é a favor da proibição da droga, ele é comumente levantado sem nenhum tipo de dado científico.

Toda vez que alguém faz a colocação de que a maconha é a porta de entrada para outras drogas eu faço a mesma coisa: começo a buscar a fonte da informação. Seja indagando os que fazem a colocação, seja por pesquisas em revistas acadêmicas, minha busca sempre fracassa e nunca encontro nenhum artigo científico que suporte este argumento. Indo além, olhando para alguns dados brutos, fica mais difícil encontrar uma evidência clara de que isto seja verdade. Na Europa, por exemplo, 14% dos jovens adultos usam a Cannabis, mas só 1,9% usam cocaína e 1% usam metanfetamina [1]. Já no Brasil, o número de usuários de maconha é pelo menos 5x maior que o de cocaína e 15x que o crack[2]. Claro, isto não é uma evidência conclusiva de que a droga não seria uma porta de entrada, mas me parece difícil crer que a droga aumente de forma significativa a probabilidade de um usuário experimentar substâncias mais potentes tendo isto em vista. Na verdade, parece reforçar a hipótese de que outras variáveis, como o ambiente social [3] e fatores genéticos [4], são mais relevantes quando analisamos o vício.

Para não ficarmos somente nas correlações – ainda que isso pareça válido, já que o outro lado sempre faz uso disso -, adotando critérios científicos mais rigorosos, temos um artigo interessante da economista Yu-Wei Luke Chu da Universidade de Michigan de 2013 [5] no qual ela faz uma análise que dá suporte a ideia de que a teoria da “porta de entrada” é falsa. Com a legalização da maconha para fins medicinais e recreacionais, alguns locais tiveram um aumento no consumo da substância. Sendo ela uma suposta “porta de entrada”, deveríamos então observar um aumento no consumo das drogas mais pesadas, como a cocaína e a heroína. Porém, não é isso que ocorre. Pelo contrário, assim como já foi observado por outros economistas, o consumo de outras drogas – incluindo o álcool, não analisado no artigo de Chu – decresce quando a maconha é legalizada. Isto ocorreria por conta da droga ser o que chamamos de bem substituto.

Ainda que esta discussão não seja tão simples quanto somar 2 com 2 e obter 4, o que temos de base hoje são estas informações. E o que vemos, com o artigo de Chu e os números do consumo de cada substância, não parece dar suporte à teoria da “porta de entrada”. Além disso, seria muito mais plausível que o álcool fosse uma porta de entrada, já que é a primeira droga consumida pelas pessoas, mas isto nunca foi um argumento forte o suficiente para sustentar sua eventual proibição. O próprio cigarro é consumido por muitos usuários de drogas e muito mais viciante, mas nunca tem sua proibição cogitada. Isso tudo só nos mostra que a legalização da maconha nunca foi um problema por conta da substância ser uma “porta de entrada”. Mais uma vez, o que temos é o argumento proibicionista sendo jogado ao público sem nenhum tipo de evidência empírica, se sustentando com preconceitos que em nada beneficiam a população.

Obs.: Aos proibicionistas que possam ter ficado enfurecidos, me coloco à disposição para qualquer sugestão de leitura que vocês possuam. Mas peço que foquem em artigos científicos e de periódicos minimamente respeitados. Notícia de panfletagens, eu passo.

[1]http://www.emcdda.europa.eu/data/stats2018/gps

[2]https://theintercept.com/2019/03/31/estudo-drogas-censura/

[3]https://estatsite.com/2019/05/24/o-parque-dos-ratos-o-vicio-alem-dos-componentes-quimicos/

[4]https://www.vice.com/en_us/article/bjxxb3/scientists-are-trying-to-prove-that-addiction-is-a-genetic-disease

[5]https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/684043

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